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terça-feira, 5 de agosto de 2014

OS PINÓQUIOS DAS CORRIDAS

Merecimento é premissa no esporte, mas por que alguns amadores mentem sobre o próprio desempenho?

Esta semana, eu e minha noiva debatíamos a pergunta acima, que foi justamente a  mesma que levou o jornalista-corredor Iúri Totti a escrever o texto que segue abaixo, publicado pelo blog "Pulso" em outubro de 2012.

Vale a leitura, e principalmente o questionamento... Por quê?



Mentira tem perna curta e isso, certamente, atrapalha na corrida. Recentemente, o “The New York Times”, num artigo sobre maratona, tratou do resultado de dois corredores. O primeiro deles foi o do deputado Paul D. Ryan, candidato à vice-presidência dos Estados Unidos na chapa do republicano Mitt Romney, que afirmou ter completado uma maratona em cerca de 2h50m, quando o seu tempo real foi de 4h01m25s. O outro ficou por conta de Kip Michigan Litton, um conceituado dentista, que montou um esquema para burlar o sistema de chipes, que cronometra o tempo de cada competidor.

“Só é possível retirar da corrida o que foi dado à ela”, esse ditado popular entre os corredores trata o merecimento como uma premissa maior do esporte. No entanto, casos como o de Ryan e Litton não são exclusividades dos Estados Unidos. Por aqui, não é raro achar em um grupo de corrida aquele atleta amador que mente sobre o desempenho nos treinos, empresta o chip e número de prova para um conhecido com maior potencial físico, pega ônibus ou outro transporte para burlar parte do percurso... Mas o que leva um atleta amador a mentir sobre o próprio desempenho físico, mesmo sabendo que não irá receber dinheiro ou algo material em troca?


Essa pergunta ronda a cabeça de Jailto Nogueira, que comanda voluntariamente o Chão do Aterro, a maior associação carioca de corredores com cerca de 300 pessoas. O grupo já estava intrigado com os resultados de uma integrante nas provas. Os tempos não condiziam com os treinos, mas a investigada nunca era pega cometendo o “delito”.

— Até que decidimos colocar um fiscal no retorno de uma corrida que marcava exatamente a metade do percurso. A ideia era pegar quem estivesse passando por um atalho — diz Jailto. — E não é que essa corredora conseguiu chegar ao retorno muito antes da maioria dos nossos melhores atleta. Era óbvio que ela havia burlado. O pior de tudo é que muitas vezes ela chegava a subir no pódio.

Certo dia, uma outra integrante do grupo, que reside com vista privilegiada do Aterro do Flamengo, viu de sua janela a investigada saindo no meio do percurso, pegando o ônibus e voltando para a prova já perto da linha de chegada. Bingo! A acusada admitiu o erro e Jailto deu o ultimato.

— Passa a seguir as regras e a respeitar os outros corredores senão você está fora do grupo — avisou Jailto para a senhora, que pediu desculpas na mesma hora. — Ela confessou e a deixamos que continuasse no grupo. Depois disso, seu tempo numa prova de 10km aumentou em cerca de meia-hora. Esse tipo de corredor mentiroso também não é exclusividade do Chão. Posso estar exagerando, mas tenho décadas de prática no esporte e acredito que cerca de 20% dos corredores no Rio costumam mentir sobre o próprio desempenho. É raro o grupo de corredores que não tenha um mentiroso...

A bola de neve da mentira

Ex-triatleta e, agora, psicólogo, Rodrigo Acioli explica que não existe um motivo único que leva o atleta amador a mentir. Cada caso é um caso. Os grupos de corrida atuais se transformaram em um meio social, onde as pessoas precisam ser aceitas. O problema é que para marcar a sua presença nesse espaço, alguns não se importam em mentir.

— Existe aquela pessoa que mente em determinada situação, mas isso não quer dizer que vá mentir mais vezes no futuro — afirma Rodrigo, que também responde pela parte esportiva do Conselho Regional de Psicologia (CRP). — Outro caso recorrente é o de desvio de caráter. É aquela pessoa que mente em todas as áreas da sociedade, que sempre quer levar vantagem em tudo e acaba transferindo isso para a pista.

O problema é que mesmo essas pessoas que não mentem frequentemente, às vezes, são obrigados a continuar ocultando a verdade para sustentar a mentira no futuro. E isso acaba virando uma bola de neve. Já que o amador teria de repetir o mesmo desempenho ou algo parecido nas próximas provas e treinos. De acordo com Rodrigo, existe o risco da mentira se transformar numa patologia.

— Até nisso tem uma diferenciação. Existe o paciente que sabe que vive numa mentira, mas também acontece da pessoa passar a acreditar na própria mentira devido a um desvio psicológico — diz Rodrigo.

Para os treinadores Alan Marques e Rodrigo Isaac, sócios na assessoria esportiva Speed, é muito fácil reconhecer um mentiroso. Para ingressar numa planilha de treinamento, todos precisam passar por uma avaliação física, na qual o professor passa a ter total consciência do potencial do aluno.

— Esses testes de desempenho são aprovados cientificamente. Temos total noção do limite que o nosso aluno pode alcançar. Portanto, se ele chega após uma prova com um resultado que não condiz com o seu desempenho temos que ficar duplamente de olho, pois ele está mentindo ou fazendo um esforço absurdo que pode ser extremamente prejudicial à sua saúde — revela Isaac, garantindo que não existe mentiroso em sua assessoria esportiva. — Dentro da corrida, é muito fácil identificar quem não esta falando a verdade.

Além dessas avaliações, Alan acrescenta que hoje em dia é muito mais difícil burlar uma prova por conta do avanço tecnológico como o uso de chipes e câmeras:

—Antigamente era bem mais fácil de fraldar uma corrida. A organização da prova não tinha tantas ferramentas. Hoje, sem dúvidas, a fiscalização é muito mais completa.